segunda-feira, 21 de abril de 2008

Ninguém - Luiz Vilela

A rua estava fria. Era sábado ao anoitecer mas eu estava chegando e não saindo. Passei no bar e comprei um maço de cigarros. Vinte cigarros. Eram os vinte amigos que iam passar a noite comigo.
A porta se fechou como uma despedida para a rua, mas a porta sempre se fechava assim. Ela se fechou com um som abafado e rouco. Mas era sempre assim que ela se fechava. Um som que parecia o adeus de um condenado. Mas a porta simplesmente se fechara e ela sempre se fechara assim. Todos os dias ela se fechava assim.
Acender o fogo,esquentar o arroz, fritar um ovo. A gordura estala e espirra ferindo minhas mãos. A comida estava boa. Estava realmente boa, embora tenha ficado quase a metade no prato. Havia uma casquinha de ovo e pensei em pedir-me desculpas por isso. Sorri com esse pensamento. Acho que sorri. Devo ter sorrido. Era só uma casquinha.
Busquei no silêncio da copa algum inseto mas eles já haviam todos adormecido para a manhã de domingo. Então eu falei em voz alta. Precisava ouvir alguma coisa e falei em voz alta. Foi só uma frase banal. Se houvesse alguém perto diria que eu estava ficando doido. Eu sorriria. Mas não havia ninguém. Eu podia dizer o que quisesse. Não havia ninguém para me ouvir. Eu podia rolar no chão, ficar nu, arrancar os cabelos, gemer, chorar, soluçar, perder a fala, não havia ninguém para me ver. Ninguém para me ouvir. Não havia ninguém. Eu podia até morrer.
De manhã o padeiro me perguntou se estava tudo bom. Eu sorri e disse que estava. Na rua o vizinho me perguntou se estava tudo certo. Eu disse que sim e sorri. Também meu patrão me perguntou e eu sorrindo disse que sim. Veio a tarde e meu primo me perguntou se estava tudo em paz e eu sorri dizendo que estava. Depois uma conhecida me perguntou se estava tudo azul e eu sorri e disse que sim, estava, tudo azul.

7 comentários:

Anônimo disse...

Li esse texto a muitos anos atrás mas jamais o esqueci.
Acho que o li milhares de vezes...
Ele sempre "mexeu" comigo.
O compreendo perfeitamente.
Quando o lia me sentia dentro dele...
Mesmo depois de todos esses anos é como se o tivesse lido ontem.
Amo esse texto.

Thamires Torres disse...

Gosto muito desse texto e no momento vou montar uma cena teatral apartir do mesmo.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Li esse texto num velho livro que achei em minha casa quando era criança. Acha engraçado, meio dramático. Uma criança não podia compreender a solidão, hoje esse texto me toca de forma diferente mais intima.

Ana disse...

Perguntas iguais,repetidas,tem respostas iguais.o que essa repetição sugeri?

Ana disse...

O que simbolizam as repetições do verbo fechar?